sábado, 26 de novembro de 2011

ZONA FRONTEIRIÇA


Cerzido à parede, como se fora sua extensão, ele permaneceu imóvel, quieto, ouvindo apenas o incrível batimento cardíaco, enquanto pressentia vultos se aproximando perigosamente entre colunas, na perspectiva do grande pátio. “Sou o fantasma de um rei que sem cessar percorre as salas de um palácio abandonado.” No extenso palácio, ele desprendeu-se da parede, deixando nela uma delicada ondulação, um vestígio de sua tênue presença. Por entre as inumeráveis salas, transformou-se em outro nome. “Aprende, pois, tu, das cristãs angústias, ó traidor à multíplice presença dos deuses, a não teres véus nos olhos nem na alma.” Deslocou-se entre portas e ângulos. Em algum lugar, atento ao menor movimento, o comandante da operação advertiu, pelo rádio, os agentes: “Detectamos uma perturbação no tecido holográfico. A leitura no mapa de fios identifica uma presença próxima do grupamento, possivelmente na próxima sala ou onde quer que isso seja. Aproximem-se com cuidado. Ele é perigoso; ele é ilusão.” Atrás de uma porta, ele se transformou em outro nome e movimentou-se, vagarosamente, na penumbra. “Quem sabe se o supremo e ermo mistério do universo não é ele existir com inteireza tal em existir, que não tenha sentido nem razão nem mesmo uma existência, de tão única, concebível.” Súbito, sentiu um solavanco nas costas e, quando deu por si, estava no chão, imobilizado por um agente sentado sobre seu peito, comprimindo seu tórax com os joelhos: “Olá, Fingidor!” Sob a pressão do corpo do agente, ele se dissolveu na escuridão, feito evanescência. “E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso, sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir, sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito. E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.” 

FERNÃO GOMES

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

PALEOLÍTICO


Na penumbra, a luz vagamente azul do monitor revela as ondulações de seu rosto, oculto sob o capuz que foi meu um dia. Os olhos percorrem as redes sociais, os portais de notícias e os mapas da cidade, por onde ele se movimenta, incógnito. Logo, ele desliza na noite fria como um espectro, põe o estêncil no spot e preenche de tinta os espaços vazios. O discreto ruído da tinta que se esplende sobre a parede é o único sinal de vida nesse canto escuro do labirinto de Londres.  Em seguida, ele contorna as linhas de definição das imagens, e ao concluir a intervenção, ele próprio dissolve-se na escuridão como um sonho tênue. Ao amanhecer, os cidadãos de todo o mundo descobrem que os mísseis, os tanques e os ratos de todos os parlamentos  tinham desaparecido.

para Banksy

Fernão Gomes