domingo, 29 de julho de 2012

POÉTICA



Depois de todos esses anos, o resultado é aquilo de que não me lembro. Os vazios são justiceiros implacáveis, perseguem as criações inconclusas, o que se deixou para trás. Os vazios perseguem como uma noite que nunca amanhece. Por isso faremos uma nova escritura sobre tudo o que foi esquecido, sobre o flagelo da memória. Só não sabemos como fazer. Não sabemos como olhar e ver o que se move no vão das coisas. Saímos por aí, tecnológicos e inquietos, em busca de palavras, como peregrinos, vagando, atravessando distâncias, empilhando tijolos e papéis. Os intervalos são a nova linguagem. As fissuras, os interstícios. E pensar que, quando crianças, nós nos escondíamos no vão das coisas. Lá está a voz que se constrói e se desmorona. Se alguém a capturar, essa pode ser uma boa história. Por isso, vamos lembrar, uma vez mais: interlúdios, intervalos. Ainda não sabemos como ressuscitar subgêneros; o que foi esquecido é um novo mundo dos mortos. 



FERNÃO GOMES