O sanfoneiro impusera o ritmo nos pés
dos festeiros: o chamado da sanfona não se engana; o chamado da sanfona é o
chamado da sanfona, já dizia o sanfoneiro. Mas vão entrando os casais, entre
aplausos e sorrisos: rendas e vestidos estremecem; chapéus de palha flutuam entre
bandeiras volpianas; há rumores no terreiro. Cavalheiros e damas se
cumprimentam, lá e cá, enquanto esse menino, na barraca dos suspiros, observa o
movimento, leva um cravo na lapela. Sozinho, ele se apressa e fica em pé na
cadeira esquecida de um festeiro, contemplando os casais que se empolgam no
momento do passeio. Eles percorrem a extensão do terreiro, exibindo suas pintas,
seus bigodes pressupostos. Quando os noivos passam pelo menino, os olhares se
encontram: naquele mundo, ela se casa com outro, e tem neste o coração enlaçado
por quem está na ponta dos pés, olhando em silêncio os pares que atravessam o
túnel e seus sobressaltos. Na toada da sanfona e nas veredas da roça, a noiva
deixa acenos, deixa indícios de seus olhos - o menino sente o suspiro derreter
no corpo úmido da língua. No caracol, entre padrinhos, convidados, figurantes, ela
gira, rodopia e se sente entontecer: é um vislumbre dos enganos, das quimeras da
fortuna. A grande roda se desfaz, cavalheiros e damas se despedem, lá e cá,
enquanto esse menino, de volta à barraca dos suspiros, observa o movimento. Logo,
ele receberá uma mensagem do correio elegante. E em algum lugar, outra garota
sentirá um sobressalto, um tênue tremor em seu coração.
para Anderson Dino
FERNÃO GOMES