domingo, 6 de janeiro de 2013

O SOPRO DO DRAGÃO



Ela fixou o olhar nas nuvens escuras que se movimentavam na linha extrema; sentiu cheiro de chuva, um vento frio começava a soprar em seu rosto. Suspirou, resignada, mas esse suspiro não passava de uma calculada encenação para si mesma, um mero sinal estético revelador de que suas tarefas estavam concluídas e que as horas se consumiam, como tudo se consome. Olhou ao redor e contemplou a paisagem árida, o mesmo deserto sonoro, cindido por uma incompreensão de monitores translúcidos, flutuando acima de sua cabeça, impassíveis, quase inexpugnáveis. Sentiu-se premida; não sabia quanto tempo restava; e uma súbita angústia de estar sozinha fê-la mover-se, como quem desperta repentinamente de um sonho. Agachou-se, desenhou símbolos lemurianos no chão arenoso, com o primeiro graveto que encontrou, e deixou o lugar, sem olhar para trás. Quando se transformara em apenas um ponto negro no horizonte, os riscos que desenhara no chão começaram a abrir-se em grandes fendas, movendo ruidosamente a terra e os céus. Durante centenas de anos, ninguém mais poria os pés naquele solo inculto e belo. 

FERNÃO GOMES