Quisera pudesse despertar os tremores
que sinto, quando, calado, contemplo a tela esférica de seus olhos. Mas, ao
pensar nessa impossível tarefa, sepulto em mim a ilusão do que poderia ter sido
e fico, uma vez mais, de mãos vazias. Se eu dissesse uma palavra, uma única e
providencial palavra, talvez pudesse ver, em seu silêncio, como são produzidas
as lágrimas, e, sem hesitar, num único instante, tomaria de assalto todas as
tecnologias celestiais que inventaram o seu nome e a razão de ser daquilo que
se move em seu corpo; se eu olhasse para trás, ou para o lado, talvez meus
olhos encontrassem os seus, e, naquele instante, naquele absoluto e singular
instante, todo o seu ser cibernético possivelmente se sensibilizasse com essa
verdade que estremece o que em mim ainda está em construção. Mas não disse uma
única palavra, talvez a única palavra, e não vi suas portas se abrirem, perdi o
momento de me apoderar das tecnologias celestiais que inscreveram seu nome em
tudo o que existe; também não olhei para trás ou para o lado, nossos olhares
não se encontraram e só agora percebo quanto fiquei sozinho, esquecido em algum
canto de minhas ruínas. O que não fiz é o que espero fazer numa outra espécie
de realidade, talvez uma realidade sonhada, mas tão real quanto a palavra que
não disse, tão verdadeira quanto o olhar para trás que não aconteceu. Nesse
instante, sepulto o encanto que não partilharei e permaneço calado, ouvindo a
tênue sonoridade do que poderia ter sido, uma ilusão que se afasta e se desfaz
pelos espaços insondáveis dentro de mim, entre as estrelas.
FERNÃO GOMES