Ela
fixou o olhar nas nuvens escuras que se movimentavam na linha extrema; sentiu
cheiro de chuva, um vento frio começava a soprar em seu rosto. Suspirou,
resignada, mas esse suspiro não passava de uma calculada encenação para si
mesma, um mero sinal estético revelador de que suas tarefas estavam concluídas
e que as horas se consumiam, como tudo se consome. Olhou ao redor e contemplou
a paisagem árida, o mesmo deserto sonoro, cindido por uma incompreensão de
monitores translúcidos, flutuando acima de sua cabeça, impassíveis, quase
inexpugnáveis. Sentiu-se premida; não sabia quanto tempo restava; e uma súbita angústia
de estar sozinha fê-la mover-se, como quem desperta repentinamente de um sonho.
Agachou-se, desenhou símbolos lemurianos no chão arenoso, com o primeiro
graveto que encontrou, e deixou o lugar, sem olhar para trás. Quando se
transformara em apenas um ponto negro no horizonte, os riscos que desenhara no
chão começaram a abrir-se em grandes fendas, movendo ruidosamente a terra e os
céus. Durante centenas de anos, ninguém mais poria os pés naquele solo inculto
e belo.
FERNÃO GOMES