Tinha,
de fato, uma grossa camada de poeira sobre os móveis dispostos no grande salão.
O que restava dos lençóis e de sua pressuposta alvura cheirava a mofo
transmorfo. Eram formas ainda trancafiadas no esplendor de um passado, de um
tempo que se consumira nos miasmas da vogue.
De repente, dezenas de autômatos se materializaram, impuseram-se na paisagem
desolada, meio ameaçadores, tinha entre eles uma névoa quase espessa. Um então tomou
forma e veio em minha direção - cabelos brancos longamente espetados, óculos de
sol, mãos acomodadas nos bolsos de um casaco escuro. “Entendeu como o todo se
move, além de apenas admirá-lo?” – perguntou. “Por que estamos entre esses
híbridos ameaçadores?” – perguntei. “Ora, isso é uma artimanha da sua própria ficção.”
Aproximou-se e, após um breve silêncio, disse, sorrindo: “A semidemência da
repetição e a exaustão do automatismo não são retrocesso, são mais do mesmo,
são atributos desse mundo. Venha, vamos percorrer os caminhos da luz, sem luz;
e os caminhos do amor, sem amor.” Pouco depois, deixamos para sempre o grande
salão entregue a si mesmo.
FERNÃO GOMES
Muito bom! Parabéns!
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