“Você
é Thom Yorke?” A cidade, submersa na tarde fria, parecia uma composição de
pixels em escala de cinza. “Não sabe o que atravessei para chegar aqui”, disse a
garota. “Tão perto, e tão distante.” Acabara de chover; um ar gelado percorria
as ruas da cidade, transformadas em espelhos extensos em cuja superfície
refletiam-se as variações metálicas do céu carbonizado. “Meu irmão está muito doente
e solicita que você cante uma canção pra ele. Apenas uma canção. Você faria
isso por nós?” Entreolharam-se e, sem sequer uma palavra, Thom Yorke deixou
sobre o piano a canção inacabada, pegou o violão e desapareceu na tarde fria,
atravessando as fronteiras que a garota atravessara para encontrá-lo. A casa
estava vazia, envolvida por uma penumbra delicada e quase irreal, como um sonho
que se turva ao menor movimento. Apenas um tênue rumor de vida vibrava pelos
cômodos escuros. A garota girou a maçaneta e abriu vagarosamente a porta de um
quarto. “Querido? Trouxe a pessoa que você pediu.” Quando Grete acendeu o
abajur, Thom Yorke e Gregor Samsa ficaram frente a frente, pela primeira vez. Depois
de um breve silêncio, o músico sorriu, com discreto movimento dos lábios, e sentou-se
na cadeira que Grete oferecera. Gregor Samsa acomodou-se num canto do quarto e
ali começou a morrer, enquanto ouvia Thom Yorke cantar a canção[1] que
ele solicitara, naquela tarde fria de Praga.
FERNÃO GOMES
Jr.
ResponderExcluirEsse texto me deixou eufórico!
Kafka + Radiohead!
Tão eufórico que não consigo prestar atenção no texto de baixo!
Um abraço!