Cerzido
à parede, como se fora sua extensão, ele permaneceu imóvel, quieto, ouvindo apenas
o incrível batimento cardíaco, enquanto pressentia vultos se aproximando
perigosamente entre colunas, na perspectiva do grande pátio. “Sou o fantasma de
um rei que sem cessar percorre as salas de um palácio abandonado.” No extenso palácio,
ele desprendeu-se da parede, deixando nela uma delicada ondulação, um vestígio
de sua tênue presença. Por entre as inumeráveis salas, transformou-se em outro
nome. “Aprende, pois, tu, das cristãs angústias, ó traidor à multíplice
presença dos deuses, a não teres véus nos olhos nem na alma.” Deslocou-se entre
portas e ângulos. Em algum lugar, atento ao menor movimento, o comandante da
operação advertiu, pelo rádio, os agentes: “Detectamos uma perturbação no
tecido holográfico. A leitura no mapa de fios identifica uma presença próxima
do grupamento, possivelmente na próxima sala ou onde quer que isso seja. Aproximem-se
com cuidado. Ele é perigoso; ele é ilusão.” Atrás de uma porta, ele se
transformou em outro nome e movimentou-se, vagarosamente, na penumbra. “Quem
sabe se o supremo e ermo mistério do universo não é ele existir com inteireza
tal em existir, que não tenha sentido nem razão nem mesmo uma existência, de
tão única, concebível.” Súbito, sentiu um solavanco nas costas e, quando deu
por si, estava no chão, imobilizado por um agente sentado sobre seu peito,
comprimindo seu tórax com os joelhos: “Olá, Fingidor!” Sob a pressão do corpo
do agente, ele se dissolveu na escuridão, feito evanescência. “E depois, fechada
a janela, o candeeiro aceso, sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito. E lá fora um grande
silêncio como um deus que dorme.”
FERNÃO GOMES
Pessoa, pessoas, que se transmutam na ficção e vão configurando realidades. Belíssimo!
ResponderExcluirblog foda!
ResponderExcluiré nóis mano!
leo curirim
parabens caro amigo!
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