terça-feira, 9 de outubro de 2012

QUADRILHA



O sanfoneiro impusera o ritmo nos pés dos festeiros: o chamado da sanfona não se engana; o chamado da sanfona é o chamado da sanfona, já dizia o sanfoneiro. Mas vão entrando os casais, entre aplausos e sorrisos: rendas e vestidos estremecem; chapéus de palha flutuam entre bandeiras volpianas; há rumores no terreiro. Cavalheiros e damas se cumprimentam, lá e cá, enquanto esse menino, na barraca dos suspiros, observa o movimento, leva um cravo na lapela. Sozinho, ele se apressa e fica em pé na cadeira esquecida de um festeiro, contemplando os casais que se empolgam no momento do passeio. Eles percorrem a extensão do terreiro, exibindo suas pintas, seus bigodes pressupostos. Quando os noivos passam pelo menino, os olhares se encontram: naquele mundo, ela se casa com outro, e tem neste o coração enlaçado por quem está na ponta dos pés, olhando em silêncio os pares que atravessam o túnel e seus sobressaltos. Na toada da sanfona e nas veredas da roça, a noiva deixa acenos, deixa indícios de seus olhos - o menino sente o suspiro derreter no corpo úmido da língua. No caracol, entre padrinhos, convidados, figurantes, ela gira, rodopia e se sente entontecer: é um vislumbre dos enganos, das quimeras da fortuna. A grande roda se desfaz, cavalheiros e damas se despedem, lá e cá, enquanto esse menino, de volta à barraca dos suspiros, observa o movimento. Logo, ele receberá uma mensagem do correio elegante. E em algum lugar, outra garota sentirá um sobressalto, um tênue tremor em seu coração.

para Anderson Dino

FERNÃO GOMES

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