Na noite fria de Londres, dois policiais acima do peso perseguem, ofegantes, um sujeito que se dissolve num corredor, sobe um lance da escada, atravessa a marquise e salta o muro entre os edifícios. Ele é um graffiti bomber e há pouco foi surpreendido em ação, mas fugiu às autoridades e aí o vemos, rosto escondido no capuz, mochila nas costas. Durante a fuga, passa por um estêncil de Banksy, vai em direção a um beco, salta outro muro e bate com os dois pés no chão, enquanto volta os olhos para as luzes estranhas que rasgam o céu da Inglaterra. Ele não sabe, mas a terra sob seus pés tremeu tão diferente que, no extremo oeste da Mongólia, um cazaque criador de camelos sentiu o tremor, no mesmo instante, onde no entanto já se vive outro tempo, é o dia seguinte, são seis horas da manhã. Ele está sentado, fumando e olhando a paisagem deserta, enquanto o vento frio sopra em seu rosto. Os animais estão inquietos, resmungaram a noite toda. Vai ao curral, renova os fardos de ração e, sentindo-se instável como os camelos em jejum, volta os olhos para o céu e vê as luzes de Londres cortando o céu da Mongólia. Seu grito prolongado assusta instantaneamente os trabalhadores do mercado municipal de São Paulo, mas lá ainda é o dia anterior, são nove horas da noite e eles se preparam para a grande feira do amanhecer, que talvez nunca aconteça. Inquietos como os camelos da Mongólia, abandonam no chão as caixas de legumes, giram os olhos para o céu e contemplam as luzes que riscam a noite de São Paulo, sentindo tremores assim como a terra tremera sob os pés do graffiti bomber londrino.
FERNÃO GOMES