quarta-feira, 13 de outubro de 2010

ENCONTRO NA GARE

Os espaços da estação foram tomados por uma névoa repentina. Ninguém esperava aquilo, pelo menos não daquele modo tão súbito, tão silenciosamente invasor. Monitores e relógios desapareceram quase que por completo; deles restariam vagas luminescências perdidas ao longo da grande gare, convertida num estranho campo de esquecimento. O ar gelado penetrava os vazios entre as colunas de mármore descomunais. Naquele instante, naquele perfeito e simétrico instante, ela se encostou num canto de parede, contraindo os músculos das costas ao contato imediato da superfície fria. “É preciso estar atenta em meio ao nevoeiro.” Ela se assustou com a senhora encostada à parede, ao seu lado. Ficou olhando, sem reação, tremendo de frio. “Tome; use isto.” Pôs com delicadeza um casaco sobre seus ombros, sorriu sem mostrar os dentes e se afastou, desfazendo-se na névoa. “Não perca seu trem. A hora se aproxima.” Um súbito cheiro de fritura e café construiu imagens em sua mente e despertou o ideal de família há muito adormecido. Onde estarão? Quem eram eles? Instintivamente ela olhou para cima, a fim de identificar, no jogo de luzes e sombras, as gotas de chuva, que parecia ter recomeçado. Só então entendeu que estava chorando. Enxugou os olhos na manga do casaco, fez uma prece com quaisquer palavras, para encontrar nelas o fogo ao redor do qual encolheria seu ser, e desprendeu-se da parede, em direção à plataforma de embarque.    


FERNÃO  GOMES


3 comentários:

  1. Tal névoa repentina... - suspiro - vem com a saudade. Lembro-me de várias ocasiões, metafóricas e literais, das quais inundados por tal esbranquiçado meus olhos pouco enxergavam. Não me deram casacos, nem pediram resguardar do perigo. Peito aberto, sem saber o que enfrentar não se falta coragem antes da hora; pois é assim qeu enfrento tais névoas, literais ou metafóricas, é com medo. A coragem vem depois que tudo passa. - mas à hora de errar sentido plataforma é que me dá nos nervos. Abraços do velho!

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  2. Te confesso, que vi a presença da morte em suas palavras...A ambientação texto está incrível, pois quase toquei a névoa e quase senti o frio na espinha devido o contato com o mármore...Só não toquei e senti porque eu não quis. Medo. Abcs

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  3. Não sei se é possível encantar alguém que tem por traço íntimo fazer das palavras uma fonte viva de encanto, Junior, mas se fosse preciso tentar, diria que senti ao ler seu texto, da forma mais concreta e espontânea possível, a admiração que às vezes tanto esforço-me para construir em relação a inúmeros escritores renomados no universo da Literatura.

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