sábado, 10 de julho de 2010

LUA NEGRA

...porque a irracionalidade que me subjuga e me caracteriza não se satisfaz com as imaterialidades do seu romantismo sentimental e novelesco, e pra eu não me sentir incompleto e fraturado, assim como quem se sente incompleto e fraturado, eu necessito mais do que só as suas paixões metafísicas e inconfessáveis, eu necessito da fisicalidade de suas entranhas, de suas vísceras banhadas em sangue, submersas nesse plasma hipnótico e repugnante que assinala minha condição de animal danado em busca de qualquer nexo ou substância que me permita neutralizar ou aplacar essa fome, essa sede, esse desejo incontrolável de me transformar, de me transmutar, de me converter no único e absoluto sentido para a sua percepção já turvada pela irracionalidade que me subjuga e me caracteriza, já contaminada pela inevitabilidade da physis que arroja o seu corpo em direção ao meu, que conspira pela poesia que pode haver no entrelaçamento de nossos dedos e no encontro de nossos olhares, em qualquer tempo, em qualquer realidade onde essa possibilidade se converta realmente numa perturbação, num sopro sobre a superfície do lago e em cujo espelho eu vislumbre pelo menos o seu rosto, pelo menos o seu olhar, que é como começam as mitologias, mas se também essa ilusão me for subtraída, então que o mesmo absurdo que concebe estrelas e luz transmute o meu abandono num discreto perfume de suor e sangue, o primeiro sinal por conta do qual tudo começa.
FERNÃO GOMES

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