domingo, 12 de dezembro de 2010

PÉROLA

Tantas vezes meus olhos percorreram suas formas sem que eu tivesse o menor vislumbre do que agora vejo, sem que eu sequer compreendesse o assombro que desde o primeiro instante fizera de mim um espectro entre tantos que contemplam sua imagem. No entanto, na pungente tarefa da contemplação, sinto-me eu mesmo trespassado pelo poder inominável de seu olhar, feito um narciso sem defesas, devassado diante da língua intraduzível que desliza em seus lábios entreabertos, pelos quais se insinuam promessas e precipícios. E dos desvios inexplicáveis da beleza, que simula ilusões tanto quanto se enreda com ironias, surge, no campo nebuloso de sua imagem, o singular pingente, fonte de inquietudes e abismo em cujas profundezas todo olhar se consome e toda luz se extingue.

para J. Vermeer

FERNÃO GOMES

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