domingo, 14 de agosto de 2011

AUTOFICÇÃO

É um mundo inóspito; intenso; vigoroso. Durante todos esses anos, tenho me sentido cercado, encarcerado em mim mesmo, sozinho como um objeto esquecido no fundo de uma gaveta. Todos foram embora; não há mais ninguém por esses corredores extensos; apenas a vertigem de sua perspectiva interminável. Estou sozinho nesse pátio à meia-luz. Desculpem minha sinceridade e o tom confessional de minhas palavras, mas sinto-me melhor do que quando estava cercado por eles. Sou escritor e professor e, às vezes, me surpreendo buscando uma razão, um nexo que explique todas essas monstruosidades. Eles falavam, aflitivamente, todos ao mesmo tempo, e em voz alta, vociferavam em busca de coisas, em busca de ilusões, em busca de nada. São fantasmas perseguindo fantasmas; sombras em busca de sombras. Naturalmente, eu não tinha respostas para as perguntas que faziam. Quem as tem? Eles não sabiam que eu tinha as mãos vazias. Creio que todos os homens têm as mãos vazias. Encolho-me, por um instante, diante da onda de ar frio que avança por esses corredores, enregelando minha pele. Nesse momento, restam os últimos funcionários, apagando as luzes das últimas salas. Antes de eu me levantar desse banco, antecipo em mim mesmo o ruído dos meus passos pelo corredor e o fragor da porta se fechando. Não sei em que mundo entrarei, quando puser os pés na noite que entra.

FERNÃO GOMES

2 comentários:

  1. Delicado, caro Fernão, e revelador. Sei do que fala e também não compreendo, embora compartilhe de sentimentos similares. Preciso que entenda que ando - como se não bastasse para (em direção de) por os pés na noite que entra - também por tais corredores de madrugada e deserto. Por esses corredores se escreve o caminho do meu próprio quarto, de forma estrutural mesmo, e que preciso cruzar até meu leito. Sim, repouso no próprio ambiente em que me vejo de mãos vazias. Em que vejo todos, também creio, de mãos vazias. Mas... o que me intriga é que essas tais perguntas de hoje fiquem sem resposta. Todos me perguntam somente coisas que não me interessam. E parece que ninguém se importa com isso.

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  2. As perguntas são eternas, fixas, intransponíveis. As respostas maleáveis, parciais, frágeis e inexatas.

    A dualidade do homem.

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