sábado, 6 de agosto de 2011

A HORA FRIA

Escolhi esconder, mas tudo em mim são os seus dez bilhões de olhos; tudo em mim são distâncias inconcebíveis – berçários de estrelas; regimes que silenciam oposições; seu implacável furor. Escolhi esconder, mas como assimilar esse jogo, se [agora sei] sou eu que me persigo, e o aparente ludismo pode se converter repentinamente em horror difuso e fronteiriço? Sinto cansaço de tudo, mas porque sou cambiante digo “sim” a todas as coisas, digo “não” ao não: necessito de tudo que é perfeitamente humano, de tudo que em mim são distâncias incomensuráveis, mas absolutamente transponíveis – misteriosas planícies siderais; constrangimentos entre cristãos e muçulmanos; o cheiro ácido e atraente do seu sexo; o frio penetrante da última hora antes do amanhecer. Também escolhi abandonar os caminhos que me conduziam à sua presença, mas a cada passo em direção à circunferência recolho despojos de sua acidez, do desenho tortuoso e úmido de suas pegadas, mas mesmo assim prossigo como quem caminha pelo cais do porto, num dia chuvoso, perseguindo os vagos sinais de uma presença espectral, uma presença que me impele continuamente para dentro de mim mesmo. Por enquanto, não espero nada, porque tenho o código de uma nova mídia. Ele está inscrito em minha alma - é a razão de  todas as minhas inquietudes e de suas futuras mensagens de texto.

FERNÃO GOMES

2 comentários:

  1. "necessito de tudo que é perfeitamente humano, de tudo que em mim são distâncias incomensuráveis, mas absolutamente transponíveis" tento todo dia arquitetar ponte para alcançar a outra margem dessas absolutamente transponíveis distancias. descobri que sou péssimo engenheiro.

    ResponderExcluir
  2. Afinal, o que podemos fazer senão continuar caminhando por este cais? Para os que procuram, as neblinas se tornam gradativamente menos turvas. Faço de suas inquietudes as minhas, e espero te compreender com o que diz, pois não posso viver uma vida compelido.
    Quem dita as regras do jogo?

    ResponderExcluir