sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

UM MOÇO MUITO BRANCO ou ENSAIO APOCALÍPTICO

Muito bem, amigos do ZONA. Vamos em frente. A partir de agora, prossigo com as micro-narrativas, uma por semana, mais ou menos. Obrigado pela visita e excelente 2011 pra todos nós! Coincidência ou não, esse texto também faz referência a um moço, como o anterior, mas em condições bem mais dramáticas. Para aqueles que desejam comunicar-se por email, aí está: jsananda@uol.com.br . Ótima leitura.


Pôs o telefone no gancho, abriu uma gaveta, retirou a caixa de lenços de papel. Nem ouviu as últimas palavras de seu chefe, que ligara para dar-lhe um puxão de orelha. As mãos tremiam e pelas têmporas escorriam fios de suor: todo ele estava encharcado, trêmulo, febril. Súbito, ouviu um zunido, agudíssimo e prolongado, que quase o ensurdeceu. Levantou-se, foi ao banheiro, cambaleante, sentindo-se fraco, como se não se alimentasse há dias. Diante do espelho, afrouxou a gravata e tentou lavar o rosto, mas perdeu os sentidos e foi ao chão. Pouco depois, abriu a porta do banheiro e, com passos seguros e uma condição diferente no olhar, caminhou entre as mesas, deixou o edifício e foi em direção às ruas. Diante dele multidões sucumbiram: houve desmaios, gritos de horror, mutismos definitivos. Muitos se sentiram curados, venceram enfermidades; outros encontraram formas mentais transcendentes. Grupos de aflitos avançavam, a fim de tocá-lo, em busca de panaceias: alguns regozijavam-se ou tinham convulsões até à morte; outros simplesmente perdiam a solidez da carne, tornavam-se gradativamente transparentes e desapareciam.

FERNÃO GOMES

3 comentários:

  1. O belo transcencental... aquilo que não se define...o sublime, porém melancólico. será que tudo o que é sublime é melancólico?

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  2. A genealogia desse texto é simplesmente fantástica.

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