sábado, 19 de fevereiro de 2011

ESPECTROS

Acenderam muitas tochas no terraço solitário e frio. Nada mais havia naquelas vastidões, exceto o vento gelado soprando soberano suas inquietudes intermináveis. Reuniram-se mulheres recém-chegadas dos grandes centros, feridas em confrontos no excepcional teatro de masculinidades. Despregaram máscaras e fantasias; banharam-se, longamente. Depois, em vestes nazarenas, iniciaram os festejos: beberam, cantaram e dançaram, flexíveis, entrelaçando braços e pernas, aproximando vagamente a umidade quente dos lábios. Foi quando os espectros apareceram, conduzindo seus veículos no esplendor das trevas. As mulheres dispuseram pratos e cálices sobre a grande mesa e ali fartaram-se todos no incrível banquete dos espíritos. Um deles disse: “Ouvimos vocês chorarem. Estávamos bem próximos, mas para seus ouvidos tudo era apenas o ruído do vento.” Ao redor da grande mesa o vento diminuiu seus espasmos, quase não havia sinais de suas fantasmagorias. “Vocês não se lembram mais de todas as promessas. Vocês são os seus ancestrais.” “Nós tínhamos a Internet”, interveio uma mulher. E ficaram todos em silêncio no banquete dos espíritos. Quando elas acordaram, os espectros ainda estavam lá. No terraço solitário e frio, nada mais havia, exceto as tochas apagadas, as cadeiras vazias e o vento gelado soprando soberano suas inquietudes intermináveis.

FERNÃO GOMES

Um comentário:

  1. "Quando ele acordou, o dinossauro ainda estava lá" - Augusto Monterroso.

    ResponderExcluir