sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

MAQUINARIA

Um rifle semiautomático é uma arma esguia, anatômica, de design atraente cujas curvas prolongam as mãos e os dedos de quem vai usá-la. Pode ser acomodado no pequeno estojo, em concavidades revestidas de veludo, especialmente desbastadas para o encaixe ajustado de suas partes. O modelo que temos diante de nós é destinado, afirmam os fabricantes, a práticas desportivas em geral, mas sabemos que podem ser úteis para outros fins. Sua coronha, adaptável ao ombro de ambidestros, é especialmente elaborada com fibra sintética, antideslizante, emoldurada por uma base ou soleira de borracha ventilada. Essa arma, que muitos consideram extraordinária, dispõe de uma mira telescópica com visão noturna e ajuste milimétrico de longo alcance, otimizado por um ponto de mira de fibra óptica vermelha. O projétil, cujo estrago justifica toda essa arquitetura que agora se descreve, é de ponta oca, capaz de penetração e danos jamais vistos. Ele é inserido na câmara, como agora fazemos, porque dispomos de uma arma de disparo único, como costuma ser: um tiro, um acerto. Contemplamos o alvo, ajustamos a mira e, no momento preciso, acionamos o gatilho: o projétil atravessa o cano flutuante, de alma raiada, passa velocíssimo pelo silenciador, girando e percorrendo o trajeto até atingir o coração de um sujeito que, neste país, jamais conceberia a possibilidade de converter-se num alvo assim como acabamos de convertê-lo. O projétil penetra no corpo e explode em fragmentos, causando dores lancinantes no deputado federal que é lançado ao chão, brutalmente, e lá permanece imóvel e sem respirar. Está morto. Acabamos de alvejá-lo. Ele é apenas o primeiro. 

FERNÃO GOMES

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