segunda-feira, 21 de março de 2011

O TERMINAL

A voz no alto-falante, anunciando o próximo embarque, pôs fim ao constrangimento que se instalara entre os dois. Com as mãos no bolso do casaco, ele encolheu os ombros, protegendo-se da onda de frio que percorria os espaços do terminal: “Não se esconda nessa falsa indiferença. Depois de tudo, parece patético.” Ela ficou quieta, sentindo as palavras ferirem, sentindo nevascas em seu ser inerme. Antes ele marcasse sua carne com a máxima ferocidade, antes ele drenasse seu sangue, dilacerasse seu corpo, levando-a ao paroxismo inconcebível. Preferiria isso, preferiria brutalidades excepcionais, mas não essas palavras que causam danos e o fazem como quem devora o inimigo aos pequenos bocados, sem nunca se satisfazer completamente. “Estamos morrendo aos poucos", ele disse. “Talvez um dia ressuscitemos.” Súbito, apagaram-se as luzes do terminal e, durante alguns decênios, tudo ficou às escuras. Ressuscitar? Não sei o que é isso. Nada sei sobre amar ou morrer. Apenas sobrevivo em minha condição. Só sei o que sinto: dor, trevas, desertos. Acenderam as luzes de emergência, o terminal ficou na penumbra e uma canção triste no alto-falante fazia fundo àquele momento.[1] Ele tentou segurar-lhe o braço, ela esquivou-se. Depois dessa recusa, afastou-se, em silêncio e vagarosamente, em direção à saída. Ela ficou parada, contemplando as cinzas que se desprendiam de seu corpo, formando um rastro de tudo o que restou. No estacionamento, sob chuva e vento frio, ele esperou o ônibus passar, para contemplá-la uma última vez, mas não identificou seu vulto. Ela ainda estava no terminal, encolhida atrás de uma coluna, agarrada à mochila, onde chorou, silenciosamente, até o amanhecer.

FERNÃO GOMES


[1] Beauty from pain – Superchic[k]

3 comentários:

  1. Realmente, Jr, as palavras fazem mais buracos que o deixar-se estar ausente (que digam seus microcontos e seus macrocontos, no Asfixia).
    Gostei da maneira como você colocou as luzes se extinguindo durante decênios, que é mais ou menos o quantum de tempo que se perpetua à lembrança das pessoas intensas que por nossas vidas passam e deixam "as cinzas que se desprendiam (...) formando um rastro de tudo o que restou".
    Não tenho respondido aos e-mails e continuado nossos diálogos porque estou lendo seu Asfixia e já estão lidos dois terços. Quero comentá-los um a um e o farei, certamente até o fim de semana.
    Continuemos!

    Um abraço a você e a sua moça.

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  2. Acho que consigo me identificar com as duas personagens.

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  3. Este texto traz muito significado para mim....quase como que uma real identificação com as personagens....

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