quinta-feira, 14 de abril de 2011

D. JUAN

Aqui estou, no limite de tudo o que posso conceber de mim mesmo; no final de mim mesmo. Além dessas fronteiras, não estou certo do que encontrarei e tenho medo do deserto fantasmagórico que diante de mim se afigura, assombroso. Além de mim, não parece haver qualquer ontologia em que eu vislumbre ao menos uma sombra fugidia do que sou. No entanto, sinto-me estremecer, porque a força que me arroja, irresistivelmente, em tua direção talvez seja a mesma que também me apavora. E vislumbrar um novo caminho entre sedução e pavor, é, para mim, o triunfo do meu egoísmo, porque amar ou ser amado pode ser apenas uma ideia distante, uma imagem prestes a se dissolver ao menor movimento. Mas ironicamente é essa vaporosa fragilidade do amor que mais me atrai e me subjuga, como um algoz de cujo poder não tenho forças para escapar, mas cuja sedução estimo tanto quanto o mais negro dos meus desejos. Teu poder sobre mim é também o alento que me dá vida, a substância com que explico o horror e a dúvida de viver e, rindo secretamente, ainda posso transgredir as leis humanas do puro fingimento. Toda vez que estou diante de ti, sinto que estou diante do que mais amo: os estilhaços de mim mesmo, as cinzas do meu ser que continuamente se desfaz. Essa condição, entretanto, não me constrange, tampouco fere uma pressuposta integridade, posto que a cada fragmento que de mim se desprende, mais reconheço as inscrições de tua alma e a fúria infatigável de tua carne. Quando vou ao teu encontro, vou em direção à minha glória ou à minha morte? Presumo que em direção à minha glória, porque a morte só existe em palavras e meu presente é uma percepção sem limites. Eis então o meu legado: eu sou o caminho estreito em direção a tudo quanto mais temes, que é tudo quanto mais ardentemente desejas. Dentro de teu corpo e nos abismos insondáveis de tua alma, a cada instante eu ressuscito e te condeno.  

FERNÃO GOMES

3 comentários:

  1. Impressionantemente lindo. É a melhor descrição de um amor por mim já vista. Afinal o que é o amor? Isso terei eu que confirmar sozinho, algum dia.

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  2. Após a leitura do conto, restou-me a sensação de que o frágil discurso amoroso se repetiria a cada indivíduo que nos braços do protagonista repousasse; ele lhes desfiando as palavras sobre seu suposto amor, que todos os amores são supostos, a efemeridade do se estar juntos, a valorização dos momentos supremos, que é tudo que acaba por importar. Como disse Henrik, impressionantemente lindo.

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  3. Deliciosamente fatigante. Creio que esta sensação simplesmente tortuosa aqui demonstrada só encontra paralelos num belo tango. Lembrei-me enquanto lia exatamente do "Por una cabeza".

    Beijos,

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