sábado, 9 de abril de 2011

EPOPEIAS

Acumularam-se temores entre eles: ruínas de uma história de erros e inquietudes. Depois da grande rebelião, recolheram-se em seus invólucros espaciais e permaneceram distantes da Terra. As aparições tornaram-se raríssimas e mesmo nas estações mais frias, quando permitiam aproximações amistosas das tribos, deixaram de exibir seu álgido esplendor, cindidos por rancores e desilusões. Nunca mais aqueles campos foram os mesmos; arqueologia alguma será capaz de conceber os extensos labirintos sombrios cujos corredores presenciaram insólitos encontros. Resignadas em sua orfandade e impelidas por extremas aflições, as tribos pré-adâmicas irromperam nos templos e nas câmaras sacrificiais, em busca dos pomos da vida eterna, mas o Conselho Planetário há muito os apartara dessa dádiva ancestral. “É a grande noite cósmica!”, gritavam, ensandecidos, os líderes dos clãs, enquanto observavam estranhas luzes movendo-se nos céus da aurora do mundo. Muitos milênios depois, aos aedos restariam apenas fragmentos desses dramas inconcebíveis, substância e esplendor de suas epopeias. Mas em sua quietude interior, no silêncio em cujos abismos todo discurso se consome, eles conheceriam, secretamente, sua misérrima condição, e diriam consigo: “Nunca mais! Nunca mais!”

FERNÃO GOMES

Um comentário:

  1. Interessa-me essa ideia de que povos de maior evolução possam ter precedido, no mesmo terreno em que hoje caminhamos, as raças primitivas, rudes, sem tato para as minúcias, que só seriam desenvolvidas séculos após.
    Entendo que seu texto, Jr, microconto, excerto, o que for, dá uma interpretação coerente a essa ideia. Nunca saberemos (ou saberemos?, ou já sabemos sem enxergar?) se conceitos pré-concebidos e perpetuados por nossas razões são o que realmente são, numa realidade exterior à nossa.
    E, sim, em nossa quietude interior, como bem observado, conhece-se a misérrima condição humana.
    Agradeço, ainda, em especial, o comentário no Fuga. Fico contentíssimo em saber que o conto apeteceu àquele que foi um dos propulsores a esse impulso selvagem e ao mesmo tempo catártico que em mim recebe o nome de Literatura.
    Um grande abraço, Jr!
    (ps [embora mensagens internéticas não precisem deles].: estou pensando em ir a Campinas num fim de semana em maio; se for, aviso, para nos reunirmos).

    ResponderExcluir