sexta-feira, 13 de maio de 2011

HAWORTH

Folhas de plátanos boiavam, encharcadas, nas primeiras poças que a chuva formara. Ciprestes e anjos confundiam-se entre os túmulos, na perspectiva translúcida das alamedas do campo-santo. No fim de tarde chuvoso, vultos silenciosos destacavam-se, sob guarda-chuvas, ao redor do esquife, que vagarosamente alcançara o fundo da cova. Entre os fieis que ali estavam, alguém cogitava esses pensamentos: “Quantas vezes desafiamos os fantasmas, só nós dois, ficando em pé, entre as sepulturas, invocando-os, desejando que aparecessem naquelas noites frias.” O padre concluíra já seu discurso, desenhara no ar e no próprio peito uma cruz invisível, abençoando parentes e amigos que ali protagonizavam um epílogo. “Nunca mais hei de voltar àqueles campos, meu querido, a não ser que seja ao seu lado, outra vez, como dois fantasmas vagando entre as sepulturas, sentindo o vento frio soprar em nossas faces, para sempre.” Afastou-se do grupo, feito sombra fugidia, derramando lágrimas na chuva, enquanto se dissolvia na perspectiva da alameda, como as folhas dos plátanos. Lançaram flores sobre o caixão, esparziram pétalas em saudação ao morto, possivelmente a última fala daqueles que ficam, e deixaram, silenciosos, o campo-santo. Por aquela porta, que agora se fecha, nada mais passará.

FERNÃO GOMES

Um comentário:

  1. Absurdamente melancólico. E dolorosamente real. A morte é o sinônimo absoluto da saudade e não há vazio maior do que o que deixa a ceifadeira. Talvez haja buracos negros, mas isso é outra história, embora a morte para alguns assuma invariavelmente esse caráter de sombra sem fundo.
    Um grande abraço a você, querido professor, e um bom fim de semana.

    ResponderExcluir