sábado, 25 de junho de 2011

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Um dia ele amanheceu diferente de todos os outros dias de sua inexpressiva existência, como ele próprio a caracterizou, na longa carta deixada ao tio, única pessoa com quem convivera nos últimos meses. Abriu os olhos ardentes como se retornasse de um transe que o asfixiara, como se saído de um pesadelo infernal que quase lhe subtraíra a vida, como se escapado de uma experiência opressiva e desconfortável, durante a qual corria o mais velozmente possível, a fim de atravessar as trevas de uma floresta densa e viscosa, porque perseguido por algo metálico que bafejava ruidosa e ferozmente atrás de sua nuca, arrepiando-lhe todo o corpo. Nas últimas semanas, ele vinha “sonhando com robôs”, sucessivamente. Abriu os olhos vermelhos, arquejante, como se repentinamente se lembrasse de algo muitíssimo importante e cuja importância carbonizava todas as ilusões humanas (“absolutamente todas”, foram suas palavras), cuja importância calcinava todas as verdades, todas as filosofias e sistemas de crença, subitamente convertidos em destroços, em construções patéticas e sem sentido. Redigiu, pacienciosamente, uma carta ao tio e saiu às ruas, sem direção definida. Ia cochichando aos ouvidos das pessoas que encontrava, protegendo os lábios com as mãos em forma de concha. Todas faziam expressões de espanto e imediatamente cochichavam aos ouvidos de outras, partilhando a informação recebida. Logo, milhares de pessoas cochichavam aos ouvidos umas das outras e, na medida em que o faziam, seus corpos iam se transformando em nuvens.

FERNÃO  GOMES

2 comentários:

  1. Epifânico, para dizer o mínimo, o transmutar-se em nuvem.

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  2. Incrível! Dizer com palavras aquilo que não pode ser dito através delas. Como falar sobre o transcendental usando o tridimensional? Apenas dando o sentido de abstração às palavras...

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