sábado, 17 de setembro de 2011

PERFORMANCE


Como se houvesse um acordo secreto entre sua sensibilidade inquieta e a transtecnologia celestial (a mesma que vaga pelos campos obscuros do esquecimento, tanto quanto se esplende dos belíssimos monitores da Apple), como se houvesse uma combinação tácita, seu olhar percorria, criteriosamente, as palavras daquela narrativa. Enquanto seus olhos deslizavam pelo texto, tentava esconder de si mesma a ansiedade que a corroía, forjando uma isenção impossível, ocultando-se sob um falso equilíbrio helênico, como fizera ao longo da vida. No entanto, seus dedos frágeis, que seguiam as linhas do texto em busca de algum sinal, de uma pista qualquer, seus dedos trêmulos eram reveladores de sua completa insegurança, de sua inquietude diante daquelas palavras que causavam tremores em seu coração, diante daquelas palavras que provocavam calafrios e faziam com que ela se sentisse tão estranhamente solitária quanto as figuras dos quadros de Edward Hopper. No entanto, recomeçou a leitura: “Eu seria capaz de apagar as cicatrizes que você deixou em mim, se isso impedisse sua partida.” Não pôde mais: fechou o livro e o afastou de si, empurrando-o sobre a mesa, tentando escondê-lo entre o vaso de flores e a bolsa aberta que há pouco ali deixara. Sentiu falta de ar, foi à sacada e ficou quieta, olhando em direção ao não, quase subjugada por uma intensa vontade de chorar. Mas resistiu e não cedeu às lágrimas. Tivesse um vislumbre do que poderia ter sido a vida, antes de entrar por uma de suas muitas portas, teria entrado?     

FERNÃO GOMES

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